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entrevista da UNKNOWN
LEGENDS OF ROCK'n'ROLL, feita em 1996 com Gee sus
P: Você ainda está vivendo em uma comunidade, como quando
o CRASS ainda era ativo? G: Comunidade é uma palavra que eu nunca gosto muito de usar, porque eu nunca gostei de como
funcionavam as comunidades que eu vi; com regras escritas e regulamentos. Pessoas deveriam tomar como responsabilidade oque
eles sentem e o que eles vêem, naturalmente. Assim nós não temos nenhum programa de trabalho como por exemplo, " hoje é seu
dia para cozinhar " ou " seu dia para limpar ". Quando você vê um trabalho que precisa ser feito, você vai e faz. Isso é que
é realmente assumir responsabilidades. P: Quando foram surgindo os outros integrantes? Q: Os sócios sobreviventes
mais longos da banda são Penny Rimbaud e eu. Os outros integrantes vieram depois. Pete Wright veio antes de Steve, etc.. E
então as pessoas aos pouco se uniram gradualmente, porque nós mantivemos a banda antes do ficar completa que fez viagens,
e as pessoas foram surgindo, porque era uma banda que poderia incorporar qualquer número das pessoas, sendo uma espécie de
banda vanguardista. P: Era vontade de Crass informar tanto pelo que tinha acontecido a seu amigo Wally [um amigo que a
vida desintegrou depois de encarceramento em instituições mentais, como foi documentado nas extensas notas que acompanham
'Christ-The album']? G: Informar até um certo grau, mas por conhecer Wally e o que aconteceu a ele, nós nos tornamos muito
mais politizados até mesmo onde este lado particular que o sistema social era concedido. Eu suponho que todos nós tivemos
no encalço da CND nos anos 60'. P: Quando você descobriu sua vocação para 'Grosseira' (Crass) ? Q: Meu primeiro despertar
político foi no acontecimento de uma catástrofe enorme aqui em uma aldeia pequena em Gales, um aldeia mineira que a companhia
mineira tinha esvaziado a escória que lá trabalhava. Pessoas estavam lutando, e isso, para mim, foi meu primeiro tipo de protesto,
mesmo não sabendo direito como agir. Isso era nos anos 60'. Mas de lá em diante, as pessoas se informaram como melhor você
pode agir, porque não havia naquele tempo muita informação. Pelo menos não a informação alternativa, não o outro lado da história.
Você tinha que desenterrar isso de dentro do seu instinto. Mas conhecendo mais pessoas assim como você, você adquire uma manivela
nisto. P: Quanto tempo você e Rimbaud tem morado na comunidade? G: Nós entramos aqui em 68, algo assim. Como sempre,
Penny e eu levamos essa idéia Hippie à sério (risos). Especialmente Pen, porque ele achou a fazenda primeiro. Nós queríamos
fazer uma casa que estivesse sempre aberta, uma casa segura para as pessoas, um lugar onde as pessoas poderiam descansar,
pensar e poderiam compartilhar idéias. Assim, a maioria do quartos na casa ainda são estúdios. Nós temos quartos escuros,
nós temos um quarto de música e todo o tipo de coisas. Nós esperávamos que as pessoas viriam e criariam aqui, o qual tem realmente
acontecido durante os anos. Houve algumas coisas grandes, coisas boas, coisas ruins, e aprendendo a viver com os outros de
fato. Nós éramos uma comunidade flutuante de pessoas. Nós somos muito tolerantes, eu diria (risos). Não é uma comunidade,
basicamente, é uma casa aberta. E as pessoas vêm aqui muito respeitosamente, porque é muito confortável; é ...bem, todos são
bem-vindos, ao menos pensamos assim. Há certas leis não-escritas, mas a maioria das pessoas vem, e eles dão oque eles podem.
P: Onde está situada a casa na Inglaterra? Q: Está em uma fazenda, aproximadamente 15 milhas de Londres, na região
dos campos. É um bom lugar de Londres, se você conhece Londres. Em um lado, está uma floresta enorme, realmente grande. Assim
é uma boa barreira para construções civis. Na extremidade daqueles lados de Londres, você se bate com a floresta muito depressa.
Então é uma zona rural, realmente. Se você segue o Rio Thames em um mapa, para a boca do mar e então sobe diretamente a meio
caminho ao longo daquele rio, você verá onde nós estamos, ligeiramente a nordeste de Essex. É um município que está lutando
para sua vida, realmente, porque é cercado pela rodovia principal. É tipo como um Triângulo das Bermudas que nós estamos vivendo.
Mas nós estamos ganhando no momento. P: Quando você e Penny Rimbaud se conheceram? Q: Pen e eu tinhamos ido juntos
para escola de arte, assim nós nos conhecemos desde que tinhamos aproximadamente 15, 16 anos. Nós sempre trabalhamos juntos
de algum modo, em diferentes bandas, acontecimentos e peças teatrais. Musicalmente, nós éramos afetados por Beatles desde
o começo, especialmente no final e na época de John Lennon com Yoko Ono. Eles eram uma força motriz muito grande para nós
por causa dos sentimentos. Suponho que era bem parecido com nosso próprio - " Dê uma chance à paz!". Nós éramos hippies sinceros,
mas duros e reais, eu suponho. Pra mim é por isso que CRASS aconteceu. P: Quais as influências musicais do CRASS? E a
sua influência? G: Quando as Pistols começaram, nós pensávamos que eles eram fantásticos. Nós os levamos seriamente, e
novamente fizemos isto nós mesmos. Eu suponho que influências vêm de todas as áreas. Musicalmente, nós dois amávamos Benjamim
Britten, Beatles, jazz e música clássica, mas nunca houve uma condensação de nada realmente. A única coisa que gostávamos
e que todos gostavam era os Beatles. Mas por razões óbvias, eles eram todas as coisas que as bandas no Top 20 são agora; só
um grupo concebido e movido pelo dinheiro. Assim nós não éramos muito afeiçoados a qualquer outra coisa. As minha influências
(parte gráfica) vinha de Ginsberg e Kerouac, obviamente. Mas veio também de muitas outras coisas. Algo estava sempre acontecendo
na casa-comunidade, algum tipo de ação ou de vanguarda. Assim era um muito energético para nós nos desenvolver junto a essas
ações. P: Qual era a relação de vocês com os outros punks de 77'? G: Nós pensávamos que era uma grande ação, a atitude
dos Pistols, porque o que estava acontecendo nessa época na Inglaterra era diabólico. E ser mais velho faz muita diferença.
Nós sempre fomos mais velhos que a maioria pessoas que fazem rock,- nós somos agora todos cinquentões, mais ou menos. Alguns
de nós não, como Steve Ignorant, obviamente. P: De onde veio a idéia da ação multi-artística da banda? G: Eu suponho
que a minha única meta era conversar. E obviamente, estava conversando com uma geração mais jovem. Eu era muito mais velha,
mas era para eles que a música ia. Eu achava que todos nós sentíamos que não era o bastante escrever um poema um livro, era
preciso subir num palco! Esse era o nosso modo de conversar que encontramos naquele tempo. Assim eu estendi isso começando
os jornais e outros trabalhos que eu estava trabalhando naquela época. Eu penso que a coisa inteira aconteceu porque nós sentíamos
muito, estávamos muito preocupados. Eu sentia pessoalmente muito fortemente sobre o que estava acontecendo a este país, que
aquela mocidade precisava de uma voz novamente. Obviamente, se você quiser ser entendido, então, você deve achar o idioma
certo. E o idioma certo era na ocasião como nós fizemos, o CRASS. Isso mudou novamente hoje em dia. Eu penso agora que a imagem
está ligeiramente morta no momento. Eu não estou bastante segura de como está sendo modificado, mas nós estamos a favor de
construir coisas novas em algum lugar ao longo da linha.
P: Qual era a intenção ao publicar seus próprios discos?
G: Eu penso que surgiu bem depressa. Nenhum de nós acreditou que você pudesse assinar com um grande empresa e pudesse
fazer as coisas ao seu modo. Acho que os Pistols foram um grande exemplo disso, dessa diluição de princípios. Isso estraga
sempre com a energia pré-existente nas ruas. Nós saímos das ruas, sempre sentimos que nunca iríamos deixar ninguém ditar como
deveríamos fazer algo, onde, e por quanto tempo. A maioria de nós veio do mundo artístico. Andy pinta. Eu penso que o único
músico entre nós era Pete, e ele na verdade soube como jogar. Nós tivemos que aprender como agiríamos juntos. Novamente, deveria
ser feito pelo jeito que achávamos melhor. Isso se tornou uma força motriz. Para nós, era compartilhar com pessoas, dizer
tudo. Bem, não fique esperando que outra pessoa dê isto a você. Simplesmente saia e faça. Também sobre a arte gráfica, como
produzir seus próprios zines, isso se foi neste país. Há tantos fanzines, do sublime para o ridículo hoje em dia. Eu penso
em uma coisa que realmente mostra nossa energia são os 'bullshit detectors' (coletânias lançadas pelo selo CRASS). Eu penso
que eles são uma grande documentação do que ia através das portas fechadas da mídia para os jovens. E um monte de coisas foram
lançadas,- muita coisa boa, muita coisa ruim. Muitas bandas boas, e muitos clichês; e muitas pessoas que saltaram para o sucesso.
Mas oque eu quero dizer, é que isso acontecerá com tudo oque você fizer. Eu não penso que isso era um problema. Eu penso que
há pessoas agora que ainda continuam. Eles estão quietamente fora da parada de sucessos, que é o modo que tem que ser feito
neste país no momento e que é muito bom. A primeira edição de 'Feeding of the 5000' foi publicado pela 'Small Wonder'. Era
como a loja de punks de Londres, e ela estava lançado muitos discos, como Patrick Fitzgerald e muitas pessoas que surgiam
na época. Ele quis publicar nosso single, e isto cresceu. Foi feito todo ao vivo e na correria. Nenhum tipo de montagem, nenhuma
re-gravação,- simples e direto.
P: Quais, na sua opinião, foram as maiores mudanças na filosofia de se gravar discos
dentro do rock enquanto o grupo lançava seus discos? G: Toda vez que nós entramos no estúdio, havia uma idéia de como
nós íamos fazer e tinhamos a sensação de que nós não estávamos preparados para fazer outro trabalho igual ao antigo. As pessoas
gostavam do 'Feeding of the 5000', e o segundo era totalmente o oposto do que esperavam. Eu acho que é muito fácil gravar
sabendo que vai vender bem. Nós nos arriscávamos todo o tempo, e lançávamos oque queríamos. Achávamos que era muito importante
fazer desse jeito. Eu penso que a mudança mais significante que você pode ouvir, é o desespero total na época do governo de
Tory retratado em 'Yes sir, I will'. Aquele disco é bem pesado, ao meu ver. A gente pensava que havia tantas outras formas
além disso, tantos outros modos de agir. Não nos rendemos, apenas mudamos de tática. P: Por que o grupo deixou de lançar
material no meio dos anos 80? G: Nós sempre dissemos que nós pararíamos em 1984, e realmente foi o que nós fizemos. Pessoas
da banda tinham ido fazer outras coisas, e continuam realmente trabalhando nisto. Acho que tinha perdido a graça. As piadas
ainda estavam lá, mas elas eram muito negras, ao contrário de 'Feeding of the 5000'. Eu penso que esse é o melhor disco, o
mais vivo, e onde está tudo concentrado. 'Yes sir, I will' já é muito diferente. E eu não suponho que qualquer um de nós
quis compartilhar aquela negritude, e aquele modo mais. Penny foi escrever romances que são bem pesados, e foi fazer outro
tipo de música. Steve formou outra banda. Eu pessoalmente, não quis pintar outro cadáver, não quis pintar mais outra efígie.
Eu quis recomeçar fazendo o meu próprio trabalho, da forma que é, e é o que tem acontecido. P: Porque as apresentações
ao vivo e as músicas do CRASS eram sempre tão inflexíveis, a ponto de parecer uma oração para os convertidos? G: A gente
não esperava cobrir uma quantia enorme das pessoas que não eram punks, ou não estavam na cena. Mas isso nunca me aborreceu
realmente. Só pelo fato de termos tantas cartas de pais irritados já me satisfez, pois eles achavam discos da gente no quarto
de seus filhos, ou algum poster pregado à parede, e ficavam aborrecidos. De fato, uma das percuções veio disso, uma criança
trazendo um disco do CRASS para casa, e haviam tantas imagens obscenas que a polícia acabou nos processando. Mas eu penso
que isso é grande. Eu amo pensar nessas mentiras nas pequenas e elegantes salas de estar com TV das pessoas normais (risos).
Eu quero dizer, isso me interessa mais. Eu não estou interessada em ser uma grande estrela, onde você está em todos os lugares
emplastrada, eu prefiro muito, muito mais ser como um pequeno verme escavando algum buraco e surgindo em lugares inesperados.
Penso que todos sentíamos da mesma forma, e eu ainda sinto. Não estou interessada em ser uma grande personalidade da mídia.
Eu não acho que você possa conseguir metade das coisas desse modo. Eu penso que o CRASS ainda está cavucando lá por baixo,
em algum lugar, e isso é ótimo. Eu sei o que nós ainda somos, simplesmente por causa do correio e material que chega pela
internet. Sim, estivemos orando para converter, mas quem já era, na minha opinião, bem informado. Mas eu ainda penso que
nós levamos isto um passo mais adiante. Eu penso que informação é o mais importante. E depende do modo que você coloca isto.
Eu quero dizer, informação é fácil, mas é o modo que você apresenta e todos os pedaços periféricos para isto que é o mais
complicado. Eu gosto de pensar que se baseou nisso a maioria da nosso empenho, nossa preocupação, e ainda é assim hoje em
dia. Eu nunca fiz uma ilustração que não houvesse a esperança nela, mas se as pessoas reconhecem isso é outra questão. Mas
eu acho que o sentimento global de todas as ilustrações não é nenhum de nenhum pessimismo mas de uma esperança e que há uma
possibilidade. Espero que isso agulhe o cérebro da maioria das pessoas, que as dê novos modos de ver as coisas, porque
a maioria das ilustrações que eu fiz era a simples combinação de imagens do dia-a-dia, mas num contexto que eles não costumam
olhar. Você não pode forçar as pessoas a nada. A intenção era expor como nós nos sentíamos sobre coisas, as informações todas
juntas e para as pessoas então se decidirem por si próprias. P: E a relação com o público? G: Nunca houve uma intenção
de mudar a mente dos outros. Nos shows funcionava da mesma forma. Nós tocávamos, e as pessoas respeitavam nossa a área. Nós
dissemos o que dissemos, e era bem pesado. Porque eu penso que se você confronta pessoas com materiais pesados e os despoja
do seu arsenal, você tem que estar lá de alguma forma, tem que dar uma assistência, pelo menos aos jovens. Assim os shows
eram grandes eventos sociais, e eles eram grandes, realmente grandes diversões. Somente quem presenciou que sabe. Pessoas
traziam comida aos shows para dividir. E talvez esperançosamente isso foi tirado na vida cotidiana deles, quem sabe? P:
Aborrece a banda o fato de ela ser tão pouco conhecida nos E.U.A.? Os discos sempre foram difíceis de se encontrar por aqui.
G: Não, não nos aborrece. Nunca foi um grande problema para a gente pensar que não estamos vendendo bem aqui ou ali. E
ainda não é, realmente. Nós fizemos oque queríamos pela nossa própria vontade de compartilhar. O curso que levou isso estava
além de nosso controle. P: E o caso da fita 'tatchetgate'? G: Ela foi uma obssessão de Pete, e a repercusão disso
ultrapassou nossas expectativas. Nos não pensamos nas pessoas que se fuderiam por isso (risos). Essa fita provou oque se pode
fazer quando realmente quer; qualquer coisa. E se em alguma situação não conseguíssemos, seríamos muito meticulosos em rever
a rota que fizemos. Nós tivemos sonhos, e brincávamos com eles. Dizíamos, "traremos o governo abaixo..." Por exemplo, estávamos
bem perto de adquirir fotografias comprometedoras de Dennis Tatcher, mas na última hora, a pessoa que as tinha desistiu de
seguir em frente. Isso teria tido uma repercusão maravilhosa! Se tivéssemos computadores então, poderíamos tricotar duas fotografias,
fazer montagens e coisas do tipo! Mas nessa época não havia essa tecnologia, infelizmente. Mas a pessoa das fotografias ficou
com muito medo e então não pudemos fazer as montagens. P: Eu li uma vez que o CRASS acabou por causa da dívida em impostos
adquirida pelo prejuízo na venda de discos. G: Precisaria mais do que uma falência para nos fazer parar. Isso está totalmente
errado. Foram várias as razões pelo qual a banda terminou. Uma delas, nós sempre dissemos que pararíamos em 1984. Isso é o
motivo porquê nós numerávamos os discos regressivamente; e quando atingisse 1984, pararíamos. Andy quis voltar para escola
de arte, e foi para a Faculdade. Nenhum de nós viu qualquer motivo em continuar sem Andy. Nós não podíamos substituí-lo, porque
a banda não funcionava assim. Éramos muito ligados e fiéis uns aos outros, e se um saísse a banda acabaria. Decidimos então
terminar fazendo algo bem positivo. A maioria dos punks estavam confinados ao pessimismo e tristeza, e esquecendo porque eles
eram revoltados. Assim Penny e Libertine fizeram 'Acts of love', um fim com chave de ouro ao meu ver. P: Como você vê
a influência do CRASS na música e cultura de hoje? G: Em um nível pessoal, é muito bom ainda ter vários e vários amigos
desde a época em que eram apenas crianças como que colocando o pé na água para ver se está frio. Eles se tornaram pessoas
muito sólidas, amáveis, preocupadas e ainda batalharam por fora. Se eles estão protestando contra a derrubada de árvores,
escrevendo livros, eu penso que isso é grande. Eu amo o fato de que eles estão lá fora de algum modo indo contra a maré e
molestando o estipulado. Eu penso que as pessoas deveriam se orgulhar de como o CRASS se administrou, sendo independente absolutamente
independente. Éramos extremamente meticulosos em nossas ações, e isso nos ajudou a nos manter. Se eu vou chutar alguém, vou
chutar de onde eu estou, não vou passar por cima de mais ninguém para isso. Eu mudei o modo de como eu luto, mas eu continuo
no underground, eu espero, me dirigindo cada vez mais para a extremidade e continuo lutando. Todos continuam desse modo, todos
ainda são amigos. Houve tempos em que se tornava uma grande tensão para a gente o convívio direto, mas não poderíamos parar
para isso. Então foram oito, nove anos de relação sempre tensa. Demorou muito para se adaptar a nova situação pessoal depois
da banda. Entretanto isso é a natureza de relações íntimas, você não pode mudar isso, é assim que funciona. Eu nunca realmente
quis que computadores existissem naquela época, porque eu penso que na época do CRASS, era mão-à-obra. Todo evento que nós
fizemos ou confrontação nas ruas, era por palavras boca-a-boca. Pessoas só recolheriam as centelhas por algo sendo sussurrado
em sua orelha. Eu penso que isso era grande. Eu imagino agora como seria se houvessem computadores e o CRASS se tornasse numa
revolução doméstica. Seria muito triste. Eu vejo hoje em dia muita coisa sobre minha arte por aí. Mas eu não me importo,
porque a arte é um roubo ao seu modo. Eu estive em contato com a música punk somente até os anos 80', e penso que não mudou
muita coisa. Mas percebo muita coisa emergente do CRASS. Nas raras vezes que vou a shows punks, vejo bandeiras, pessoas conversando
e interagindo umas às outras, como uma comunidade naquele lugar, naquele momento.
entrevista da UNKNOWN LEGENDS
OF ROCK'n'ROLL, feita em 1996 com Penny Rimbaud
P: A banda teve que lutar judicialmente em algumas ocasiões.
Quais as circunstâncias por trás disso? R: Realmente, e houve duas situações maiores. Uma foi bem no início. Ainda estávamos
na Small Records nesses dias, onde lançamos nosso primeiro disco. Estávamos tendo dificuldades em lançar a faixa "Reality
Asylum". Tinha que ser prensado na Irlanda. As pessoas se recusavam em lançá-la, então colocamos no lugar da faixa três minutos
(o tempo da música) de total silêncio, no início do álbum. A Small Wonder não queria mais saber da gente, e decidimos prensar
a música nós mesmos como um single, pois finalmente tínhamos achado alguém na Inglaterra para imprimí-lo. Logo depois de lançar
o disco, a Scotland Yard nos fez uma visita. Fomos acusados de blasfêmia criminal. Fomos interrogados, mas após seis semanas
decidiram abandonar o caso, em troca de prometermos não lançar mais nada do tipo. Mas ao contrário, isso somente nos encorajou
a lançar mais e mais. P: Foi nesse momento que vocês decidiram lançar seus discos por conta própria? R: Sim. Nós tiramos
nossas tralhas da Small Wonder, e relançamos o disco com a faixa incluída. E para o relançamento do single, nós fizemos uma
outra versão, uma versão extendida. Depois disso a justiça quis nos processar. Depois que o caso terminou, soubemos que eles
invadiram várias lojas na Inglaterra atrás de nosso disco. Diziam nas lojas que se eles vendessem nossos discos seriam processados
judicialmente. Depois disso, a justiça estaria sempre atrás da gente. Nunca éramos hostilizados diretamente, mas somente indiretamente.
Nossos discos passaram a ter um problema enorme de vendagem tanto em shows, como em lojas, devido a esse tipo de ação da justiça.
P: E sobre o single "How does it feel to be a mother of a thousand of deads"? R: Essa música era dirigida a Margret
Tatcher, obviamente. Fomos processados por obcenidade moral. Nos passamos a ser notícia rapidamente nos jornais. Nós tínhamos
um contato que estava servindo nas Malvinas nessa época, então tínhamos muitas informações secretas e obscuras. Acabamos sendo
confrontados ao vivo pela rádio por Tim Eggar (ministro inglês). Ele foi completamente despojado de argumentos. Acabamos então
nos safando de mais essa. P: Qual a repercusão do caso da loja de discos em Manchester? R: Foi que uma loja em Manchester
foi invadida pela polícia, e vários discos, incluindo nosso e dos Dead Kennedys, foram apreendidos. Essa invasão foi somente
mais um motivo de abrirem outro caso contra a gente. Começamos perdendo o primeiro round, e se perdessemos o caso, estaríamos
proibidos de vender nossos discos na Inglaterra. Nós gastamos muito dinheiro no caso, mas finalmente escapamos. Mesmo assim,
estamos proibidos até hoje de vender nossos discos em certos lugares da Inglaterra. Se houve uma vez que quase falimos por
causa de grana, foi nessa. Nós gastamos muito também porque quisemos tornar pública essa história, divulgá-la, e isso nos
custou muito dinheiro. P: E sobre a evolução musical do CRASS? R: Eu não penso muito nesses termos. Acho que depois
dos nossos primeiros dois álbuns, começamos a evoluir efetivamente. Mas nós não estávamos preocupados com isso, porque não
éramos uma banda centrada em razões musicais. Éramos uma banda de razões políticas, onde nos preocupávamos em responder ano
após ano às situações sociais. Considerações artísticas não vinham muito ao caso. Acho que com o tempo nossa música foi se
tornando mais desesperada, mas contra a situação do país e global. Eu acho essa pergunta irrelevante, pois não estávamos preocupados
em nos desenvolver como uma banda. Nossas respostas às coisas não eram musicais nem líricas, mas políticas. Eu penso que nós
trouxemos a nossa música um alcance largo de influências, entretanto, eles não foram empregados como influências musicais,
se você me entende. P: O CRASS pertencia a cena de bandas punk inglesas de 77'? R: Acho que nós não nos considerávamos
uma banda, não, nunca fomos uma banda. Nós certamente não pertencemos ao mundo do rock, muito menos ao que pode ser considerado
punk. Não nos interessa esse tipo de coisa, pertencer. Não estávamos preocupados primordialmente em lançar discos, mas sim
com declarações. Os discos foram um modo de fazer nossas declarações. Foi bom termos esse tempo para podermos pensar sobre
tudo o que aconteceu. Com o tempo fomos perdendo a unidade de banda, particularmente na época das Malvinas. Achávamos que
não éramos mais racionais, tratando certos assuntos daquela forma. Músicas de protesto, o rock de protesto, era simplesmente
uma piada frente a certas situações. Ao menos em relação as Malvinas eu senti isso, assim como todos os outros. Era muito
sério tratar desses assuntos daquela forma superficial. E essa era a grande questão que nos atormentava nos últimos anos.
P: Você vê influência do CRASS na música e cultura atual? R: Nós somos inseparáveis ao movimento da juventude de hoje
em dia. Oque contribuímos foi tão forte, poderoso que acho que é simplesmente tudo. Em todo cenário alternativo -desde o protesto
de classes nas ruas, às ações feministas, do hardcore americano ao polonês, qualquer coisa. Eu não acho que houve um influência
simples, singular, pois seria irrelevante. Como o movimento hippie, as pessoas pensam que é só um monte de gente cabeluda
andando por aí. Não é. Se você procurar em qualquer loja de comidas saudáveis, ou loja de livros, você verá influências desse
movimento. Eu penso que, sem o CRASS, se você olhasse para trás não sentiria nenhum efeito do punk. Não há como quantificar
as influências. Você pode pegar Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir e perguntar: que influência eles tiveram? Você pode
ou não gostar dos livros deles, mas a influência é global. Eu penso que é mais ou menos assim. Não tenho a pretensão de nos
comparar aos existencialistas franceses. Somente acho nós também temos um pedacinho em tudo. P: Qual era o tipo de relação
entre vocês na época da banda? R: Bem, eu sei que a gente sacrificava pequenos prazeres pelo bem comum, a gente não pensava:"
hoje foi um grande dia, ou hoje foi um péssimo dia", a gente funcionava como um perfeita máquina, que fazia o possível no
limite humano. Naquela época eu não era eu, eu era o CRASS. Nós tínhamos uma imensa sensação de onipotência. Nós pensávamos
assim porque não éramos individuais, eramos um conjunto e assim achávamos que podíamos fazer tudo. E realmente fazíamos! Nós
íamos contra a autoridade sem nenhum medo nem vacilo. Nós estavamos sempre testando os limites, o quão rápido podíamos fazer
e o quão longe podíamos ir. Nós não tinhamos limites, somente nossa imaginação. Eu acho que você sempre se frustrará com as
coisas se tiver alguma expectativa. Eu penso não tínhamos nenhuma. Nós não eramos ninguém e eramos todos ao mesmo tempo. Eramos
o nome, CRASS. Por isso penso que éramos impenetráveis. A maior realização que eu vejo disso tudo é que como conseguimos por
esses longos anos de banda, abrir mão dos nossos desejos e necessidades pessoais, em nome de uma causa comum.
Interviews / Entrevistas
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